30.4.13

Hero (Ying Xiong) (2002)

Herói, Yimou Zhang


Num filme em que o estilo e a forma dizem muito, é a poesia que mais se destaca. É na mesma que se limam as arestas e se articulam os contornos formais de todo o processo criativo que é este Hero. A começar pelo encaixe visual do diálogo com o guarda-roupa, passando pela junção entre música e cor, para acabar na simbiose entre a acção e o som ambiente. Uma obra exemplar nesta sua capacidade de harmonizar diversos departamentos.

Com clara influência em Rashômon (e Yojimbo, se atendermos à personagem de Jet Li) de Akira KurosawaYimou Zhang preocupou-se neste filme, sobretudo, em nos contar uma história, uma visão sobre diversos pontos de vista, que se vai construindo a ela própria, ou se vai aperfeiçoando detalhadamente à medida que avança e recua na transcrição dos acontecimentos. Cada personagem, nesta conjugação de pequenas histórias, assume uma importância tal que o seu protagonismo é extrapolado para fora do ecrã em inesgotáveis interpretações e inestimáveis transfigurações, ao ponto de nos gravar sentimentos ou pessoas e não situações. Honra, lealdade, amor, traição e sacrifício são alguns dos valores e motivações pessoais abordados e explorados na trama ou no novelo que, teimosamente, se afigura diante de nós, uma e outra vez.

A narrativa é, então, interpretada em diversas ocasiões e em constantes retrocessos ao passado, na intersecção de vários capítulos endereçados a cada um dos personagens principais, aqueles que fazem parte do núcleo e, no fim de contas, do propósito do enredo. A cada nova investida pela memória e por cenas já visitadas, novo ponto de vista, que é como quem diz, nova oportunidade de explorar as cores, os contrastes, as texturas, os movimentos e as emoções presentes ao longo das cenas e da própria mise-en-scène, talhada como nunca. Tremenda esta capacidade de reciclar ambientes e atmosferas com o mesmo vigor e sempre de forma refrescante e recompensatória.

Temos ainda, para além deste formalismo na fotografia, cenografia e guarda-roupa, confrontos de rara beleza, ou por outras palavras, acção e bailados exuberantemente coreografados segundo o cenário e o contexto presentes, e segundo o som da natureza e a alma dos intervenientes. A música, por outro lado, também interfere e se enquadra no conjunto, pelo que estes êxtases, por assim dizer e por aquilo que representam, acabam por culminar poeticamente um brilhante trabalho de realização e de argumento, sendo eles próprios um verdadeiro triunfo na arte de oferecer visual e narrativamente Cinema.

Pode-se dizer que o filme tem um potencial e uma capacidade em nos surpreender enormes, talvez exageradas mesmo, na medida em que assistimos, por vezes, ao absurdo e ao inverosímil. Mas não será esse exagero legítimo, e, sobretudo, único e característico o suficiente para nos abstermos de uma suposta credibilidade (des)necessária? Para mais vindo de um autor que incute tamanha audácia e risco, tanto na harmonia como na fruição entre uma visão (ou visões) e uma estética (ou estéticas) indistinguíveis. E isto porque, de facto, existe uma constante variedade na filmagem e na posição que a câmera assume em determinados momentos, ora de modo subjectivo e terreno, ora de forma totalmente objectiva e aérea, quase que induzindo os movimentos e os pensamentos envolvidos. Há, digamos, como que uma corrente artística que recebe e une diversas estéticas ou formas de apelar às emoções, que catapulta o resultado final para outra dimensão, literalmente.

Confluindo elementos como a água, o vento, o sol e as árvores, Herói se assume como uma combinação de ambiências e de sensações, partilhando com isso diversos campos ou panoramas, desde a montanha ao lago, ou da floresta ao deserto. Uma autêntica sincronia e espectáculo visuais, que vive essencialmente da imagem e da profundidade dos seus personagens. Numa palavra, magnífico.

Texto originalmente publicado na iniciativa 'O Cinema dos Anos 2000' do blogue Keyser Soze's Place


Jorge Teixeira
classificação: 10/10

28.4.13

Manual de Regras (2)

Quem vai à guerra, dá e leva.

Casualties of War (1989)
Corações de Aço, Brian De Palma

23.4.13

Manual de Regras (1)

Cada cabeça, sua sentença.

Reservoir Dogs (1992)
Cães Danados, Quentin Tarantino

20.4.13

Bandas Sonoras (5)

Empire of the Sun (1987), Steven Spielberg


Quase vinda de outro mundo, de outra dimensão, esta música, de seu nome Suo Gan, atravessa-nos de um ao lado ao outro, por inteiro, atingindo-nos em cheio. A única dúvida que poderá existir é se a mesma, e toda a respectiva banda sonora, está em sintonia e no mesmo patamar do filme. A resposta não poderia ser mais conclusiva - está com toda a certeza. Daquelas faixas (e daqueles momentos) para mais tarde recordar, e, porque não, para se guardar para sempre.

14.4.13

5 Grandes Filmes de Terror (4)


Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (1922)
Nosferatu, o Vampiro, F.W. Murnau

Dracula (1931)
Drácula, Tod Browning e Karl Freund

Vampyr (1932)
Vampiro, Carl Theodor Dreyer

Nosferatu: Phantom der Nacht (1979)
Nosferatu, o Fantasma da Noite, Werner Herzog

Let the Right One In (Låt den rätte komma in) (2009)
Deixa-me Entrar, Tomas Alfredson

por Jorge Teixeira e Pedro Teixeira

11.4.13

À Pergunta da Resposta (1)

Pergunta:
Um filme que nos mostre que só quando perdemos as pessoas que amamos é que compreendemos o quão importantes são elas?

Resposta:
(na resposta à questão está uma palavra a reter)

(na resposta à questão estão duas palavras a reter)

(na resposta à questão está um nome a reter)

Pergunta:
Um filme que nos mostre que só quando perdemos as pessoas que amamos é que compreendemos o quão importantes são elas?

Resposta:
A resposta está nas pistas ou no que elas sugerem.
Adivinha qual o filme?
(soluções posteriormente nos comentários)

(os textos e as publicações envolvidas nas pistas são de consulta e leitura obrigatória)

10.4.13

Cenas (3)

Mar Adentro (2004), Alejandro Amenábar


Magnífico momento ou magnífica viagem aos confins interiores e exteriores da humanidade. De facto, por vezes é com o movimento e uma certa liberdade em percorrer um caminho que se dá uma revelação, e com isso uma abertura de espírito, que é tão necessária a quando de dificuldades ou simples limitações. Se no cômputo geral estamos perante uma divagação, um delírio pujante e denunciado, em particular, estamos na presença de uma escapatória, de uma fuga à realidade e, portanto, da consciencialização terrível e palpável. Este excerto aqui referenciado não é mais que um episódio, musicalmente acutilante, poderoso, abismal e fracturante de todos estes aspectos.

Inocente e criminosa ao mesmo tempo, a cena oferece-nos uma combinação de enquadramentos com movimentos de câmara num plano-sequência delicioso. Pode-se dizer que ainda há uma contaminação da vida quotidiana do lar pela natureza e pelo ar puro. É, pois por isto e muito mais, para ver e apreciar, seguir e contemplar, ou, simplesmente, olhar e deixarmo-nos levar. Quanto maior o salto, maior a queda, é certo, mas também é verdade que sem o salto ou o sonho que possibilita o mesmo, nunca haverá motivo, ambição, objectivo e esperança num dia melhor.

6.4.13

Citações (8)

Some Like It Hot (1959), Billy Wilder


JerryOh no you don't! Osgood, I'm gonna level with you. We can't get married at all.
OsgoodWhy not?
JerryWell, in the first place, I'm not a natural blonde.
OsgoodDoesn't matter.
JerryI smoke! I smoke all the time!
OsgoodI don't care.
JerryWell, I have a terrible past. For three years now, I've been living with a saxophone player.
OsgoodI forgive you.
JerryI can never have children!
OsgoodWe can adopt some.
JerryBut you don't understand, Osgood! Ohh...
JerryI'm a man!
OsgoodWell, nobody's perfect!

3.4.13

Some Like It Hot (1959)

Quanto Mais Quente Melhor, Billy Wilder


Provavelmente das comédias que mais influenciou toda a história do cinema, e que mais sofreu como referência de todo um tipo de situações e posições numa sociedade e num regime cinematográfico presente. Curiosamente, é também, e inversamente, um filme que desconstrói estereótipos ou figuras assumidas como impenetráveis na sua natureza e no seu carácter. Na prática, o homem que se transfigura e se converte em mulher, e nas adversidades e comicidades que daí advirão. É, por último e ainda, uma obra que prima pela frescura que incute ao género - a comédia - e aos temas que envolve - a Lei Seca na América, os Anos 20 e o quebrar de preconceitos e tradições que existiam (de que alguns ainda hoje subsistem, daí a sua actual pertinência e sobrevivência).

Se, por um lado, começamos num registo mais sério, sóbrio e calculista nas cenas inaugurais, por outro depressa nos envolvemos e nos apercebemos da amálgama de soluções e surpreendentes derivações que o argumento nos oferecerá, não se ficando linearmente restringido a um tema ou a uma direcção, mas sim a todo um género que de abrangente e libertador tem muito. Falamos de comédia e de ironia, pois então, que assim timidamente surgem, e a longo prazo se desenvolvem e se afirmam como a tónica mais presente e a atmosfera mais apropriada para a narrativa e para os personagens que se manifestam à nossa frente. Jack Lemmon, Tony Curtis e Marilyn Monroe, em absolutas e intemporais interpretações (sobretudo o primeiro), constituem o trio da história e das múltiplas peripécias, ou, no fundo, da confusão e descontracção simultâneas que nos são imprimidas desde o início. De facto, se temas como o travestismo ou a emancipação feminina são abordados, são-no com uma certa liberdade e despreocupação aparente, revelando não só uma aposta ganha ao nível do entretenimento, mas também um veículo subtil e metafórico do constante caos em que vivemos ou de determinadas mensagens importantes e fracturantes no seio social corrente.

Com uma fotografia assinalável, uma banda-sonora sonante e o já falado argumento perspicaz, equilibrado e transversalmente contemporâneo, resta a realização como factor a destacar. Nesse sentido, Billy Wilder foi um mestre, na forma como recrutava actores, escrevia os seus próprios argumentos e arquitectava toda a mecânica de filmar e concretizar o idealizado no papel. Enquadramentos seguros,  planos com profundidade de campo e câmera ausente e presente nos momentos certos fazem deste filme não só um belíssimo exercício narrativo, especialmente nos diálogos e nas piadas eficazes, mas também uma clara composição da palavra com a imagem, em que a suposição é indissociável da realidade, ou, se quisermos, a transfiguração que o cinema em si acarreta e, em última análise, executa é ela própria transfigurada por meio de uma história e de personagens que, por exemplo, se disfarçam do sexo oposto. No fim de contas, há como que uma dupla camuflagem, que é nos servida e de que o filme se apropria, e à qual nos devemos debruçar, reflectir e apreciar consoante a sociedade e os costumes vigentes.

O filme, para além de todo o seu potencial interpretativo, ainda propicia, portanto, largos sorrisos e gargalhadas de um modo geral, sendo cativante mesmo para o espectador menos paciente como o da actualidade, o que torna mais que evidente que estamos perante algo de enorme valor e inteligência, que detém tão somente a marca de intemporalidade.


Jorge Teixeira
classificação: 10/10