5.3.13

Spirited Away (2001)

A Viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no kamikakushi), Hayao Miyazaki


Como em qualquer filme ou trabalho fabricados por Miyazaki, estamos na presença de uma profundidade e de uma complexidade artísticas de enorme valor. Esta Viagem de Chihiro, no seu título português, aborda novamente todas as marcas do autor, contemplando, mais uma vez, todo um universo fantástico, rico em personagens e simbologia.

O filme conta a história de uma rapariga de 10 anos de idade que, vagueando, se envolve num mundo onde imperam estranhas criaturas e paisagens invulgares, segundo regras exteriores a qualquer lógica (alusão clara a Alice no País das Maravilhas). Um universo desconhecido, mas, à sua maneira, extremamente belo e cativante, que, acima de tudo, merecerá, por parte da protagonista e de nós, uma entrega total.

A viagem de Chihiro revela, assim, em jeito de jornada imaginária, uma busca pela identidade, pelo passado, na aventura e descoberta de valores (esquecidos) e de um mundo totalmente novo, onde às tantas damos conta de uma evolução e transformação a cargo de Chihiro, mas também de nós próprios, espectadores. A recompensa ao longo do filme e no seu término é, portanto, gigantesca e tremendamente benéfica. Para efeitos didácticos e educativos são imensas as referências a princípios e a posturas dentro da sociedade (pelo meio, por exemplo, o facto de nem sequer o ouro corromper Chihiro).

Uma viagem mais pessoal e menos épica do que outras obras do realizador, que, no seu curso, ainda nos vai retribuindo visualmente em deliciosos retratos e ambientes, e narrativamente em abundantes e intrincadas metáforas, ora nos seres transfigurados e mistificados sobre duras realidades, ora nas problemáticas e preocupações ambientais (mensagens recorrentes em Miyazaki). As próprias personagens, de tão bizarras e de tão mágicas que são, sugerem sempre mais que a mera aparência, transparecendo, invariavelmente, uma natureza implícita e, portanto, o humanismo que daí advém.

Na concepção, o realizador e toda a sua equipa, executam inúmeros frames desenhados à mão, de uma riqueza e esplendor extasiantes. O nível de detalhe em cada plano e em cada cena é impressionante, a tal ponto que basta a sua visualização e desfruto sem falas para ficarmos habilmente concentrados. Facto que permite não só o silêncio e a contemplação, mas também a respiração e posterior reflexão intrínseca.

Espécie de confluência de trabalhos anteriores, Miyazaki cria com este filme talvez a sua obra mais perfeita, mais una em todos os sentidos, reciclando conceitos e elementos já por si explorados. Possui o encantamento do mistério e da aventura de My Neighbor Totoro, a mensagem ecológica de Princess Mononoke, o universo paralelo, complexo e desconhecido de Castle in the Sky ou de Nausicaä of the Valley of the Wind, entre outros conceitos e referências que espelham bem esta sua tentativa de aperfeiçoamento. Revela, acima de tudo, o gosto e a dedicação pela criação de uma história e de uma visão, concretizadas na excelente alternativa que a animação a duas dimensões oferece.

Spirited Away é senão uma espécie de conto de fadas moderno, onde se aprende a enfrentar e a ultrapassar medos e limitações. O filme aborda, deste modo, diversos assuntos e sobre diversas vertentes, tornando-se, então, algo de extremo recurso e ao qual não se fica indiferente, seja pela sua complexidade, seja pelo fascínio visual que transmite. No início do filme, e no atravessar do túnel, no limiar entre o real e o imaginário, ou entre o comodismo e a (auto)descoberta, reside a verdadeira essência da película – o crescimento, sobretudo na infância, e o enriquecimento pessoal que está à espreita sempre ao virar de cada esquina. A eterna aprendizagem e os sentimentos ocultos que só alcançamos se tentarmos, se tivermos a audácia de caminhar.

Texto originalmente publicado na iniciativa 'O Cinema dos Anos 2000' do blogue Keyser Soze's Place


Jorge Teixeira
classificação: 9/10

2 comentários:

  1. Adoro, como sabes, esta pérola de Miyazaki. Revejo-me na tua perspectiva, é uma maravilha de filme, cúmulo do melhor de várias das suas criações anteriores. É o meu preferido do realizador, mas reservo um carinho especial igualmente para o Totoro e para o Castelo no Céu, que considero belíssimos, cada um à sua maneira.

    Roberto Simões
    CINEROAD
    cineroad.blogspot.com

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  2. ROBERTO SIMÕES, Também eu o adoro, como não podia deixar de ser. É tremendamente íntimo e libertador para lhe resistir. Não sei por acaso se será o meu preferido, esse que estará também entre este, Totoro e o Castelo no Céu, curiosamente.

    Cumprimentos,
    Jorge Teixeira
    Caminho Largo

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