3.4.13

Some Like It Hot (1959)

Quanto Mais Quente Melhor, Billy Wilder


Provavelmente das comédias que mais influenciou toda a história do cinema, e que mais sofreu como referência de todo um tipo de situações e posições numa sociedade e num regime cinematográfico presente. Curiosamente, é também, e inversamente, um filme que desconstrói estereótipos ou figuras assumidas como impenetráveis na sua natureza e no seu carácter. Na prática, o homem que se transfigura e se converte em mulher, e nas adversidades e comicidades que daí advirão. É, por último e ainda, uma obra que prima pela frescura que incute ao género - a comédia - e aos temas que envolve - a Lei Seca na América, os Anos 20 e o quebrar de preconceitos e tradições que existiam (de que alguns ainda hoje subsistem, daí a sua actual pertinência e sobrevivência).

Se, por um lado, começamos num registo mais sério, sóbrio e calculista nas cenas inaugurais, por outro depressa nos envolvemos e nos apercebemos da amálgama de soluções e surpreendentes derivações que o argumento nos oferecerá, não se ficando linearmente restringido a um tema ou a uma direcção, mas sim a todo um género que de abrangente e libertador tem muito. Falamos de comédia e de ironia, pois então, que assim timidamente surgem, e a longo prazo se desenvolvem e se afirmam como a tónica mais presente e a atmosfera mais apropriada para a narrativa e para os personagens que se manifestam à nossa frente. Jack Lemmon, Tony Curtis e Marilyn Monroe, em absolutas e intemporais interpretações (sobretudo o primeiro), constituem o trio da história e das múltiplas peripécias, ou, no fundo, da confusão e descontracção simultâneas que nos são imprimidas desde o início. De facto, se temas como o travestismo ou a emancipação feminina são abordados, são-no com uma certa liberdade e despreocupação aparente, revelando não só uma aposta ganha ao nível do entretenimento, mas também um veículo subtil e metafórico do constante caos em que vivemos ou de determinadas mensagens importantes e fracturantes no seio social corrente.

Com uma fotografia assinalável, uma banda-sonora sonante e o já falado argumento perspicaz, equilibrado e transversalmente contemporâneo, resta a realização como factor a destacar. Nesse sentido, Billy Wilder foi um mestre, na forma como recrutava actores, escrevia os seus próprios argumentos e arquitectava toda a mecânica de filmar e concretizar o idealizado no papel. Enquadramentos seguros,  planos com profundidade de campo e câmera ausente e presente nos momentos certos fazem deste filme não só um belíssimo exercício narrativo, especialmente nos diálogos e nas piadas eficazes, mas também uma clara composição da palavra com a imagem, em que a suposição é indissociável da realidade, ou, se quisermos, a transfiguração que o cinema em si acarreta e, em última análise, executa é ela própria transfigurada por meio de uma história e de personagens que, por exemplo, se disfarçam do sexo oposto. No fim de contas, há como que uma dupla camuflagem, que é nos servida e de que o filme se apropria, e à qual nos devemos debruçar, reflectir e apreciar consoante a sociedade e os costumes vigentes.

O filme, para além de todo o seu potencial interpretativo, ainda propicia, portanto, largos sorrisos e gargalhadas de um modo geral, sendo cativante mesmo para o espectador menos paciente como o da actualidade, o que torna mais que evidente que estamos perante algo de enorme valor e inteligência, que detém tão somente a marca de intemporalidade.


Jorge Teixeira
classificação: 10/10

3 comentários:

  1. Sensacional, uma das melhores comédias de todos os tempos.

    Abraço

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  2. Concordo quando dizes que o filme "detém tão somente a marca de intemporalidade". A crítica está excelente e o filme simplesmente magnífico.

    Cumprimentos

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  3. HUGO, Totalmente de acordo, sem mais nem menos.

    ANÍBAL SANTIAGO, Obrigado. O filme é mesmo a título pessoal das minhas comédias preferidas.

    Cumprimentos,
    Jorge Teixeira
    Caminho Largo

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